terça-feira, 20 de julho de 2010

Morra o racismo! Todos nós somos iguais!

A Comissão do Negro e de Assuntos Antidiscriminatórios da Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo (OAB-SP), recebe atualmente, a cada dois dias, uma denúncia de discriminação racial contra os negros, na capital paulista. Quem informa isto é o presidente desse órgão, Marco Antônio Zito Alvarenga.
Aqui vai outro exemplo. No dia 3 de fevereiro de 2004, em Santana, região da Zona Norte da cidade de São Paulo, policiais militares da Força Tática do 5º Batalhão, todos brancos, mataram a tiros o dentista negro Flávio Ferreira, de vinte e oito anos. Ele foi confundido com um assaltante e nem pôde defender-se. Era negro, portanto um criminoso... Para disfarçar o erro fatal, os policiais brancos colocaram uma pistola 357 na mão direita do cadáver e, no bolso deste, a carteira do comerciante Antônio Alves dos Anjos, vítima do assalto de um bandido.
Ao prestar na delegacia o seu primeiro depoimento, o comerciante declarou: Flávio havia disparado vários tiros contra os policiais. Mas no segundo depoimento, voltando à delegacia, admitiu ter sido pressionado a mentir.
Em frente de tantas evidências, os policiais confessaram que o dentista Flávio Ferreira ergueu os braços, sem esboçar qualquer resistência.
Acusados de atirar no inocente, pelo fato de ele ser negro, o tenente Carlos Alberto de Sousa Santos e o soldado Luciano José Dias, foram condenados a dezessete anos e seis meses de prisão, por homicídio, fraude processual e porte ilegal de arma.
Na noite em que perdeu a vida, o dentista negro retornava do Aeroporto Internacional de Guarulhos, na Grande São Paulo.
Outro negro, o baiano Januário Alves Santana, de trinta e nove anos, vigilante na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, foi humilhado e espancado por ter sido confundido com um bandido, no dia 7 de agosto de 2009. A agressão ocorreu no hipermercado do Carrefour de Osasco, também na região metropolitana de São Paulo. Cinco seguranças brancos o surraram, durante vinte minutos.
Após o espancamento, muito machucado, cheio de dores, Januário emagreceu oito quilos em duas semanas. Sua dentadura se quebrou, devido a série de socos dos seguranças, e ele passou a alimentar-se com sucos e sopas, pois a gengiva superior do vigilante ficou deslocada, em carne viva. Cabisbaixo, ele confessou:
“Morri naquele dia. O que mais dói é saber que não foi a primeira vez e que pode não ser a última."
Conforme a segunda edição do Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil, de 2009, feito a partir de dados do SUS e coordenado por Marcelo Paixão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, entre 2006 e 2007 foram mortos por hora em nosso país, acredite o amigo leitor, 3,5 negros, enquanto a proporção entre brancos chegou a apenas, 1,7.
Tombaram assassinados, no citado período, em números absolutos, 52.059 negros e 29.982 brancos. Indago se nesta estatística não há a sombra do racismo, mesmo admitindo que muitos dos negros mortos eram criminosos. Outra pergunta: quantos deles, totalmente inocentes, sucumbiram nas garras dos policiais racistas?
É na televisão da pátria de Lula que se nota, de maneira forte, a presença do preconceito racial. Joel Zito Araújo analisou este fato no livro “A negação do Brasil - O negro na telenovela brasileira,” lançado pela Editora SENAC. Ele mostra: os produtores das telenovelas nacionais defendem o branqueamento da nossa sociedade, não se interessam por atores negros e atrizes negras. Preferem as moças e os galãs de cabelos louros e olhos azuis, como Hitler gostava de vê-los nos filmes da Alemanha nazista. O negro nas telenovelas, salientou Joel numa entrevista, faz sempre papel de "bundão", de pessoa boba, mole. E as negras ou as mulatas, nessas histórias, são objetos sexuais do homem branco, destruidoras de lares, só feitas para transar...
O editor José Olympio, em 1964, apresentou-me ao sociólogo Gilberto Freyre. Conversando com este, eu quis saber:
-Na sua opinião o Brasil ainda é a maior democracia racial do mundo?
Gilberto Freyre respondeu, exibindo um sorriso brejeiro:
-Claro que é. Veja a nossa enorme quantidade de mulatos.
Hoje duvido desta afirmativa, pois acho que a mestiçagem, ou melhor, a miscigenação, estudada de modo profundo pelo sociólogo anglo-americano E.B. Reuter no livro “The mulatto in the United States,” publicado em 1918, a miscigenação deixou de ser, se já foi, a prova definitiva da ausência do preconceito racial. Existe uma outra espécie de racismo, oriundo do mulato não querer ser mulato e do negro não querer ser negro, quando ambos, por causa da ascensão social, negam a própria raça e procuram agir como brancos.
Orgulho-me de ser antiracista. Para mim a humanidade é toda igual, não existe raça superior a outra raça. Gosto de citar, como símbolo do povo brasileiro, a nossa notável pintora e desenhista Djanira da Mota e Silva (1914-1979), primeira artista latino-americana a ter uma obra aceita pelo Museu do Vaticano, em 1971. Suas telas retratam o povo e as paisagens do Brasil, com um saboroso lirismo algo ingênuo. Djanira descendia de índios guaranis pelo pai e pela mãe de italianos. A avó era austríaca, chamava-se Maria Elizabeth Pliger. No ano de 1943, em plena época da Segunda Guerra Mundial, essa pintora esteve nos Estados Unidos e despertou a admiração de Eleanor Roosevelt, esposa do presidente Franklin Delano Roosevelt, que por causa disso escreveu uma crônica sobre ela.
Reafirmo, não existe raça superior a outra raça e sim, acrescento, diferenças econômicas e sociais, como o demonstrou, valendo-se de farta documentação, A. Niceforo na obra “Antropologia delle classi povere,” onde prova o seguinte: o trabalho, as profissões, o gênero de vida, a riqueza ou a pobreza, determinam e fixam os caracteres físicos e mentais do indivíduo, dando aspecto próprio a uma região, a uma classe ou a uma sociedade.
Morra o racismo! Todos nós somos iguais!

Fernando Jorge é escritor e jornalista, autor do livro “Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido”, lançado recentemente pela Editora Novo Século