segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Paulo Francis odiava os negros, os nordestinos


A energia de O Trem, a sua potente locomotiva, dirigida pelo seguro maquinista Marcos Caldeira Mendonça, é impressionante, causa-me um espanto agradável, pois recebo no meu e-mail (fernandojorge88@terra.com.br) dezenas de mensagens. E agora, devido ao lançamento da quarta edição da minha catilinária Vida e obra do plagiário Paulo Francis, já quase esgotada, inúmeros leitores de O Trem me perguntam se o Francis foi realmente racista.
Era sim, provei no referido livro, ele odiava os negros, os nordestinos. Negar o seu preconceito é como negar o sadismo, as atrocidades, os crimes do major Carlos Brilhante Ustra (1932-2015), comandante do DOI-CODI paulista, entre os anos de 1970 e 1974, no governo do ditador Médici. Indiscutível, Ustra é o único brasileiro que a nossa Justiça classificou de torturador, da época do regime militar. Sob a direção desse homem sinistro, tão admirado pelo deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), os gorilas fardados do Golpe de 1964 submetiam as suas vítimas a choques elétricos, espancamentos e afogamentos. Segundo os cálculos da Comissão Nacional da Verdade, o centro de torturas do major Ustra, batizado por ele de “Sucursal do Inferno”, causou a morte de quinhentas e duas pessoas.
Enxergo no sadismo de Ustra e no racismo de Francis, dois irmãos gêmeos. Para mim, aliás, sadismo e racismo correspondem a nazismo.
Desafio o Nelson de Sá, organizador de livros contendo os textos medíocres, tediosos, soporíferos e repletos de erros do chatíssimo Paulo Francis, a sustentar: ele não procedia como um empedernido racista.
Prova irrefutável do racismo do Francis é o seu texto na edição do dia 20 de janeiro de 1991, do jornal O Estado de S. Paulo, onde revela que corria risco de vida, “ao deparar com a humanidade baiana das ruas de São Paulo”, isto é, ele via como assassinos, criminosos, todos os naturais do estado natal de Maria Bethânia!
Ainda em 1991, na edição de 10 de novembro do mesmo periódico, apareceu este nojo, este desprezo pelos negros, do desaforado racista: “... gente diferente de nós, que podemos rotular, sem eufemismo, de negrada...” Ora, segundo os bons dicionários da língua portuguesa, negrada é um pejorativo, vocábulo de sentido torpe, indica conjunto de negros, grupo de indivíduos de cor, dados a desordens, a violências...
Nelson de Sá, leia em voz alta, ma-ra-vi-lha-do, as seguintes palavras do Francis, publicadas na edição do dia 8 de dezembro de 1991 de O Estado de S. Paulo:
“Quando vejo um grupo de negros na rua e eles adoram fazer ponto em calçadas, tenho medo. Fico pensando se me agredirem, se corro, se dou um pontapé nos países baixos dos mais próximos. Todo branco pensa as mesmas coisas.”
Parabéns, Nelson de Sá, continue a enaltecer o Francis, teça um hino aos seus sentimentos sublimes, beije extasiado os bestialógicos do racista, coloque-os num tabernáculo, como textos sagrados de um profeta bíblico, e prestes a desmaiar de imensa emoção, chore, derrame lágrimas mimosas, amorosas, bonitinhas...
Os achincalhes do racista com cara de sapo-cururu, não paravam. Ataque a todos filhos de Alagoas: “... persistir no erro é alagoano...” (OESP, 1-10-1992). Outro ataque: “Nordeste, vergonha nacional”. E acrescentou: o nordestino não sabe nada, vive no século XVI (OESP, 8-10-1992).
A merdorreia (jorro de merda) do racista, o ininterrupto fluxo de bosta nos seus textos, capaz de entupir de merda podre trinta penicos, fizeram o Jornal do Commercio, de Recife, e o jornal baiano A Tarde, de Salvador, cancelarem a publicação dos textos do fecalomano (vocábulo criado por mim, pessoa apaixonada pelas suas próprias fezes, que devem ser o mais possível fedorentas e asfixiantes).
Os leitores do jornal dos Mesquitas encontraram, no primeiro semestre de 1995, esta porrada do fecalomano no Vicentinho, cidadão de raça africana e origem humilde, ex-operário, presidente da CUT:
“É preciso meter as mãos na cabeça raspada do Vicentinho língua presa (eu daria uma chicotada, para ver se reage docilmente como escravo)” (OESP-28-5-1995).
O jornalista Cacau Menezes, revoltado, após ler o texto estúpido, sugeriu o enquadramento do fecalomano num processo e o uso imediato da Lei Afonso Arinos, que proíbe a discriminação racial.
Também indignado, o cantor e compositor Gabriel, o Pensador, colocou estas palavras na canção Lavagem cerebral:

“Não seja um imbecil,
Não seja um Paulo Francis,
Não se importe com a origem
Ou a cor do seu semelhante.”

No ano de 1997, eu, Fernando Jorge, fui entrevistado na sucursal do Jornal do Brasil, aqui de São Paulo, por causa do lançamento da primeira edição do meu livro Vida e obra do plagiário Paulo Francis – O mergulho da ignorância no poço da estupidez. E dois repórteres me apresentaram a um pernambucano, o Ferreirinha (Sebastião Ferreira da Silva). Ele me informou que havia sido motorista da Folha de S. Paulo e que o seu chefe o incumbiu de servir o Paulo Francis. Este, ao vê-lo, costumava dizer:
– Você já chegou, meu escravo?
Reação do Ferreirinha:
– Doutor, não sou escravo de ninguém.
Mas o Francis respondia:
– É o meu escravo, sim, porque você é preto, nordestino, pertence a uma raça inferior, que só existe para obedecer a nós, os brancos, de raça superior.
Durante vários dias, no seu apartamento, Francis só o tratou dessa maneira. Transcorridas duas semanas, o chefe do Ferreirinha lhe deu esta ordem:
– Amanhã o Paulo Francis vai voltar para Nova York. Vá lá no seu apartamento, a fim de levá-lo até o aeroporto e pegar as suas malas de lona.
O pernambucano não quis ir, alegando não aguentar mais as humilhações do batráquio racista, porém o chefe insistiu, ele precisava cumprir a ordem.
Esclareceu-me o Ferreirinha, na sucursal do Jornal do Brasil:
– Fui lá e o Paulo Francis, ao me ver, perguntou: você já chegou, meu escravo? Respondi, é melhor o senhor parar com isso, hoje não estou com a cabeça boa, a minha cuca está quente. Aí ele gritou, cala a boca, escravo, senão eu faço você perder o seu emprego!
Indaguei, cheio de muita curiosidade:
– E aí, o que aconteceu?
– Aí, doutor, eu perdi a cabeça. Avancei na direção dele, soltei uma cusparada na sua cara, xinguei o Francis de filho da puta sem parar. Depois, usando a ponta do meu sapato bicudo, arrebentei com pontapés as suas doze malas de lona. Ele gritava, parecia um doido. Antes de ir embora, escarrei mais uma vez na sua cara, bati a porta do seu apartamento com força e ele ficou lá sozinho, a berrar como um bezerro desmamado.
Eu quis saber:
– O senhor perdeu o emprego de motorista da Folha de S. Paulo?
– Não, mas fui transferido para outro setor.
Aconselho o Nelson de Sá, adorador do Paulo Francis, a visitar o nordestino Sebastião Ferreira da Silva, o Ferreirinha, grande vítima do racismo de seu ídolo.

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Clodovil, a Bíblia e Santo Agostinho

No programa de televisão do Gugu Liberato, o Ronaldo Ésper sugeriu que o Clodovil Hernández teria sido assassinado. E uma ex-empregada do costureiro, Maria Guimarães, deu apoio ao Ronaldo. Na opinião dela um político de maus bofes contratou um garotão lindo para o matar. A doutora Maria Hebe Pereira de Queiroz, advogada do Clodovil, rapidamente contestou essa história.
Ao ver tal discussão, lembrei-me de um episódio. Em 1993, após a Editora Mercuryo lançar o meu livro Pena de morte: sim ou não? Os crimes hediondos e a pena capital, fui convidado a comparecer no programa do Clodovil, na TV Gazeta, a fim de ser entrevistado por ele.
Antes de entrar no recinto do programa, atravessei enorme salão que havia sido pintado de branco. Saía de suas paredes um fortíssimo cheiro acre de tinta. O cheiro invadiu aquele recinto, já repleto de pessoas, cerca de duzentas, a maioria moças e senhoras meio idosas. Ali o Clodovil estava em maior altura, num estrado, junto de estreita e comprida mesa, onde colocou vistoso aparelho de servir café. Ele mesmo o preparava e o servia a todos entrevistados.
Como o cheiro da tinta se espalhara no recinto, o costureiro, antes do programa ir ao ar, não se conteve e se pôs a berrar:
-Canalhas! Canalhas! Lambedores de bundas! Isto é uma conspiração, um sujo plano dos meus inimigos para me deixar tonto, doente, intoxicado, e assim destruir o meu programa! Seus filhos nojentos de cadelas de rua!
As expressões pesadas se sucediam, jorravam da sua boca de lábios grossos. Tive a impressão de estar ouvindo a ruidosa descarga de uma latrina entupida de cagalhões. Rubro, apoplético, a espumejar, de olhos esbugalhados, que pareciam querer pular das órbitas, ele vociferou:
-Seus bostas, seus piolhos de cafetinas sifilíticas, eu já tenho convite da TV Globo, eu já tenho!
A fúria do Clodovil me chocou, pois a sala se achava cheia de mulheres jovens e senhoras de certa idade, mas para o meu imenso espanto, elas o aplaudiram, bateram palmas...
Sentei-me diante dele. O programa foi ar. Mais calmo, soltou estas palavras:
-Eu aposto, Fernando, que você não sabe quase nada a meu respeito.
Respondi, tranquilo:
-Clodovil, conheço bem a sua vida.
-Não acredito, então conte o que sabe de mim.
-Você, na infância, fazia roupas para bonecas. Aos dezesseis anos vendeu seis modelos de vestidos para o gerente de uma loja e conseguiu, graças à venda, mais dinheiro do que o seu pai ganhava em um mês de trabalho.
-Nossa, é verdade, mas aposto, você não conhece outras coisas da minha vida.
Duas câmeras de televisão avançaram e focalizaram o meu rosto. Afirmei:
-Conheço. Nas décadas de 1960 e de 1970, você brilhou muito, vestiu as mulheres mais elegantes de São Paulo. Tornou-se rival do Dener. O sucesso o levou a ganhar, em 1968, um programa na Rádio Panamericana, porém foi demitido, por criticar as roupas da dona Yolanda Costa e Silva, esposa do general Costa e Silva, presidente da República. Em seguida participa de um programa feminino na TV Globo. Também teve de sair, após brigar com a apresentadora Marilia Gabriela. Outro fato, você chegou a ser ator teatral na peça Seda pura e alfinetadas.
Surpreso, gesticulando, o Clodovil me interrompeu:
-Nossa, como você é perigoso! Continue, estou es-pan-ta-di-ssi-mo!
-Expulso da TV Globo, você foi para a TV Manchete. E lá acabou sendo demitido duas vezes, a primeira em 1986, por chamar a Assembleia Constituinte de Assembleia Prostituinte.
-Ah, meu Deus Fernando, você conhece todos os podres da minha vida! Estou en-ver-gon-ha-di-ssi-mo!
-Você quer que eu pare?
-Não, continue, quero sofrer.
-Vou parar.
-Não, não pare, eu exijo!
-Está bem. Você também foi demitido da CNT.
-E sabe por que, Fernando?
-Sei, é porque você perguntou à Adriane Galisteu, logo depois da morte do Ayrton Senna, se ele funcionava na cama, se não era broxa, impotente. A pergunta gerou protestos, revolta, indignação. Viram na pergunta um desrespeito à memória do piloto recém-falecido.
-Ai, meu Deus, que língua a sua, Fernando!
-Me desculpe, Clodovil, mas sob este aspecto você não tem autoridade para me criticar.
-É, não tenho, mas admita, você é perigoso.
-Admito, porém acho você mais perigoso que a minha pessoa.
Nesse momento ele pegou o meu livro sobre a pena de morte e disse:
-Fernando, aposto que você não sabe que o Santo Agostinho apoiava a pena de morte.
-É claro que sei, Clodovil. Então você não leu o meu livro. Conto este fato no capítulo dois da minha obra. Adoro Santo Agostinho. Gosto até de citar uma frase dele em latim.
Ergui-me da cadeira e citei a frase:
-Apure os ouvidos. Quid est autem diu vivere, nisi diu torqueri? Dou a tradução. “Que outra coisa é uma larga vida, senão um largo tormento?”
Ligeiro, o Clodovil informou:
-Fernando, eu li esta frase na Bíblia, hoje de manhã.
-Desculpe-me, você não leu.
-Ai, Fernando, não me desminta, li hoje de manhã na Bíblia. Já li esta frase mais de cem vezes na Bíblia.
-Não leu.
-Ai, meu Deus, você está me chamando de mentiroso? Repito, eu li esta frase hoje de manhã na Bíblia.
-Garanto, não leu, não pode ter lido.
-Ai, Fernando, além de me chamar de mentiroso, você quer me humilhar? Por que está fazendo isto comigo, por quê? Fiz algum mal a você, fiz? Diga.
Expliquei, pacientemente:
-Clodovil, você não pode ter lido esta frase na Bíblia, pois Santo Agostinho nasceu no ano 354 da nossa era e esse livro sagrado é anterior a ele, surgiu séculos antes de sua vinda ao mundo. É uma questão de lógica. Portanto a frase do autor da famosa obra De civitate Dei (“A cidade de Deus”), não está na Bíblia, nunca esteve, o seu nome não aparece nela.
Batendo na testa, o Clodovil gemeu:
-Ai, que fora que eu dei nesse programa de televisão! Que vergonha, que vergonha! Sinto-me hu-mi-lha-do, a-rra-sa-do!
Fiquei com pena dele, pois todas as pessoas na sala do programa começaram a rir, até os cameramen. E veio à minha memória esta frase de Tomás de Kempis (1380-1471), escritor ascético alemão, inserida no livro A imitação de Cristo (“De imitatione Christi”):
“Muitas vezes rimos, quando devemos chorar” (Saepè vane ridemus, quando merito flere debemus).

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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor de Drummond e o elefante Geraldão, que acaba de ser lançado pela Editora Novo Século e cuja quarta edição já está quase esgotada.